12 janeiro 2007

ENTREVISTA AO PROF RICARDO ANDRADE

Conforme anunciado aqui está a entrevista de fundo ao nosso treinador da equipa sénior a disputar o Campeonato Nacional da Divisão A2, Prof. Ricardo Andrade.

No último jogo, apesar de ser contra o líder da A2, já se notou maior garra e entrosamento na sua equipa. O que falta para aparecer a primeira vitória?

De facto, no último jogo, e apesar de defrontarmos o líder da A2, a nossa equipa esteve mais próxima do seu real valor, com outra garra e outra predisposição. Conseguimos algumas jogadas de bom nível e, talvez pela primeira vez nesta época, sentiu-se alguma emoção no pavilhão, tanto no campo como nas bancadas.
Não obstante algumas melhorias, temos ainda um longo caminho a percorrer no sentido de sermos cada vez mais competitivos e, acima de tudo, mais consistentes.
Estou em crer que nos falta apenas uma maior consistência ao longo de todo o jogo para que as vitórias comecem a aparecer. Maior consistência e maior maturidade competitiva.

Doze jogos, doze derrotas. Três sets ganhos, 36 perdidos. 689 pontos ganhos, 960 perdidos. Estas são as estatísticas da prestação dos AAA. Como avalia o comportamento da equipa nesta fase do campeonato?

Os números poderiam ser, de facto, bem melhores. Aliás, nós esperávamos que nesta altura os números fossem bem melhores.
Mas só porque as coisas até aqui não correram como nós esperávamos nós não vamos desanimar nem baixar os braços, bem pelo contrário. A cada jogo que passa sentimos que as vitórias estão cada vez mais perto, que o trabalho que temos vindo a desenvolver renderá os seus frutos.
Quando partimos para esta época sabíamos de antemão as dificuldades que iríamos sentir, como se tem confirmado. Mas também tínhamos a firme convicção que o nosso grupo de trabalho reúne as condições necessárias para assegurar a manutenção na Divisão A2.
É um facto que em alguns jogos não fomos tão competitivos como podíamos ter sido. Mas também é um facto que noutros jogos tivemos uma boa prestação, discutindo o resultado dos set’s ponto a ponto, com equipas teoricamente mais fortes.

Temos conseguido equilibrar inúmeros set’s até aos 18/20 pontos, a partir daí é que as coisas acabam por não correr tão bem. Precisamos de aprender a dominar a nossa ansiedade nas partes finais dos set’s, de aprender a manter a cabeça fria.
Neste momento, e apesar de ainda não termos ganho qualquer jogo, entendo que o nosso grupo de trabalho reúne condições para conseguir atingir a manutenção. Acredito muito neste grupo de trabalho e no trabalho que tem desenvolvido.

Depois de uma fase com jogadores profissionais, alguns internacionais, em virtude do nível em que competia, os AAA optaram, agora, pela "prata da casa". Como avalia a decisão da direcção de optar, exclusivamente, por jogadores açorianos?

Apoio incondicionalmente a decisão da Direcção, como aliás apoiei há 2 épocas atrás a constituição de um novo clube, a Academia dos Antigos Alunos, da qual fui sócio fundador, para permitir a participação dos nossos atletas nos Campeonatos Nacionais, dada a extinção das equipas “B” decretada pela Federação Portuguesa de Voleibol.
É preciso por isso não esquecer que a aposta dos Antigos Alunos nos atletas açorianos ao nível do escalão Sénior não aparece apenas esta época, mas tem sido um processo com alguma continuidade: há três épocas a então equipa B dos Antigos Alunos, só com atletas açorianos, foi vice campeã nacional da 3ª Divisão; há duas épocas a Academia dos Antigos Alunos, só com atletas açorianos, foi 3ª classificada no Campeonato Nacional da 3ª Divisão; a época passada a Academia dos Antigos Alunos disputou o Campeonato Nacional da 2ª Divisão, só com atletas açorianos.
Como se vê, a aposta que este ano foi feita na chamada “prata da casa” mais não é que a continuidade de um processo iniciado há algumas épocas e não apenas uma aposta determinada por constrangimentos financeiros. Não é novidade para ninguém que o clube não está forte financeiramente, mas penso que, mais tarde ou mais cedo, este seria o caminho a seguir.
Não escondo também especial prazer pelo facto de, desde a época passada, na Academia, termos vindo a lançar vários jovens oriundos da nossa formação. Ainda no último jogo que fizemos, dois desses atletas fizeram parte do seis inicial.
É óbvio que uma equipa assim, jovem e com pouca experiência nos Campeonatos Nacionais, leva mais tempo a desenvolver-se e a conseguir resultados. A qualidade está lá, só é preciso tempo e trabalho para que essa qualidade venha ao de cima.

Ainda neste capítulo, a diferença entre jogadores de outros países com maiores tradições no voleibol, como o Brasil ou EUA, e os açorianos, reside apenas na formação desportiva ou, eventualmente, também ao nível da estrutura psicológica?

Não podemos dissociar esses dois aspectos uma vez que a formação desportiva do atleta acaba por se reflectir na maneira como ele suporta o stress resultante da competição. Em termos técnicos, os nossos atletas são tão bons ou até melhores que muitos atletas estrangeiros que têm vindo para cá jogar, simplesmente não conseguem ter o mesmo rendimento.
Os nossos atletas, e quando falo em nossos atletas refiro-me aos atletas açorianos de voleibol, têm um percurso muito pobre em termos competitivos na sua formação, já que chegam a fazer épocas inteiras em que apenas jogam contra uma equipa do seu escalão. Ora, essa falta de competição e até mesmo a falta de competitividade que existe nos diversos escalões, faz com que a maioria dos atletas cheguem aos Seniores com dificuldades em suportar a pressão competitiva. Estamos a falar, por exemplo, de jovens que numa época desportiva ganham todos os jogos no Campeonato de Ilha e no Campeonato Regional, sem perder qualquer set, e que depois enfrentam na Fase Nacional equipas que já disputaram 10 ou 20 jogos em que o resultado foi 3-2.
Embora reconheça grandes qualidades aos nossos atletas, também não posso deixar de reconhecer que, por vezes, o seu compromisso face ao processo de treino não é dos melhores, seja por questões pessoais, profissionais, culturais ou até mesmo por olharem para a modalidade como um passatempo. Um jogador apenas poderá almejar um rendimento acima da média com muito sacrifício. Às vezes isso falta aos nossos atletas da formação.

A equipa denota melhorias em campo. No entanto, os resultados teimam em aparecer. Como pretende motivar um plantel jovem para o resto do campeonato?

Apenas nos falta a motivação própria das vitórias. Estou em crer que com a primeira vitória os nossos índices de confiança serão reforçados, a nossa ansiedade diminuirá e outras vitórias se seguirão.
Não escondo, contudo, que não é fácil gerir um grupo que ainda não ganhou nenhum jogo. A mensagem que tentamos passar aos atletas é que confiamos nas suas potencialidades e que, se continuarmos a trabalhar como até aqui, a tão almejada vitória aparecerá. Estou convicto que essa vitória está cada vez mais perto e, com ela, as seguintes.

O desporto açoriano tem outro problema. Os campos estão vazios de público, alguns dos espectadores prontos para a crítica. Este é um problema acrescido para uma equipa açoriana que joga em casa?

Nenhuma equipa gosta de jogar sem público, é um facto e infelizmente, os nossos jogos em casa não têm tido a assistência que nós desejamos e que tanto precisamos, porque o incentivo que vem da bancada por vezes faz ganhar jogos.
Não deixa de ser curioso que, nos jogos da equipa da A1 na época passada, muitas pessoas se manifestassem no sentido de serem dadas mais oportunidades aos nossos atletas, já que na sua perspectiva os estrangeiros só vinham para cá ganhar dinheiro. Este ano essas oportunidades são dadas, a equipa é de açorianos e essas pessoas não aparecem. É pena, porque os nossos atletas têm feito muitos sacrifícios pessoais e até mesmo profissionais e mereciam maior apoio a este nível.
Fico triste por ver as bancadas tão despidas, especialmente quando em muitos jogos fora temos assistências de 100/150 pessoas. Mas isso não nos fará desanimar. Temos um objectivo a cumprir (a manutenção) e é só nisso que pensamos.

Esta poderá ser considerada a sua maior experiência ao nível do treino. Já trabalhou com treinadores reputados a nível nacional, como o professor Guerra. Qual a maior dificuldade e o maior aliciante que encontra no seu trabalho diário?

Antes de mais deixe-me frisar que a nossa Região tem bons treinadores, alguns deles já com provas dadas no voleibol regional e até nacional.
De resto, pode-se dizer que está é, efectivamente, a minha experiência mais exigente enquanto treinador. Treinar os Antigos Alunos na A2 é, acima de tudo, um grande desafio pessoal. Já sabia que seria uma época difícil, altamente desgastante e com problemas a um ritmo quase diário, mas mesmo assim não estou minimamente arrependido de ter aceite conduzir este projecto.
Em relação ao trabalho diário, a maior dificuldade que sentimos tem a ver com a disponibilidade dos atletas, que nem sempre é a ideal, uma vez que todos os atletas trabalham ou estudam e nem sempre é possível conjugar as suas vidas profissionais com os treinos e com as deslocações. Além disso, temos tido algumas lesões que de certo modo nos têm condicionado, tanto em termos de treinos como de jogos. Há depois pequenas questões logísticas que sempre vão aparecendo, especialmente nas deslocações, e que exigem alguma planificação e trabalho.
Mas todas as dificuldades se esbatem ao ver a equipa crescer, ao ver os atletas mais novos a desenvolverem-se enquanto jogadores, ao ver atletas que já não jogavam há muitos anos voltar ao activo, ao ver o espírito que este grupo de trabalho tem. Mesmo que não atingíssemos a manutenção, que, repito, vamos atingir, este projecto já valia a pena só por isto, pela aposta na confirmação da qualidade do atleta açoriano.

Em termos de condições físicas e materiais. Tem o que precisa para desenvolver o trabalho que projectou?

Em termos de condições de treino, há que reconhecê-lo, nós não temos nenhuma razão de queixa pois o Complexo Desportivo das Laranjeiras oferece-nos todas as condições necessárias para desenvolvermos o nosso trabalho, ainda mais agora com a sala de musculação, que nos permite fazer um trabalho complementar regular. Não é por falta de condições de treino que as vitórias ainda não apareceram.

Para uma equipa do meio do Atlântico que tem de se deslocar cerca de dois mil quilómetros para jogar no Continente há, naturalmente, dificuldades acrescidas. Sente alguma compreensão da Federação ou das próprias equipas adversárias para esta realidade?

A nossa equipa disputa esta época desportiva dois campeonatos: o campeonato da A2 e o “campeonato dos km’s”.
Nós fazemos verdadeiras maratonas de carrinha, pelo simples facto de a grande maioria dos jogos ser no Norte do país e nós termos de viajar via Lisboa, uma vez que os vôos directos para o Porto são à 6ª feira, ao princípio da tarde. Como todos os atletas trabalham, só podemos viajar para Lisboa na 6ª à noite e temos depois de fazer Lisboa – Porto de carrinha, no sábado de manhã, voltando depois para Lisboa.
É óbvio que esta situação acaba por originar um grande desgaste mas isso não serve de desculpa para nada. Já sabíamos que ia ser assim e preparamo-nos, tanto quanto possível, para esta realidade.
Quanto à questão da compreensão da Federação, há muito tempo que vimos alertando para algumas questões. Quando nós vamos jogar fora, fazemos apenas um jogo. Quando as equipas de fora vêm cá jogar fazem jornada dupla, connosco e com o Clube K, porque como é a Federação que paga essas deslocações, aproveitam para racionalizar custos. Houvesse alguma coerência em termos de tratamento e nós quando vamos ao Continente também realizaríamos jornada dupla. Só que nesse caso, como não é a Federação que paga, já não há tanto interesse.
Tentámos alterar vários jogos no sentido de fazermos jornadas duplas quando vamos ao Continente mas, infelizmente, apenas um clube se dispôs a alterar o seu jogo connosco. Curiosamente, nem mesmo esse jogo pudemos alterar, por questões regulamentares da Federação.
Como se isso não bastasse, no mês de Fevereiro temos de ir ao Continente em três fins de semana consecutivos, para fazer um jogo em cada fim de semana.
As equipas das Regiões Autónomas são “incómodas” porque representam despesas acrescidas. Se não tivermos cuidado, ficaremos cada vez mais afastados dos Nacionais. O que se passou com o andebol é paradigmático.

Pelo conhecimento que tem no terreno, acha que os Açores têm "matéria-prima" para colocar, a médio prazo, açorianos nas equipas de topo portuguesas ou, eventualmente, na própria selecção nacional?

Como disse anteriormente, os nossos atletas, em termos técnicos, são tão bons ou até melhores que muitos atletas estrangeiros que por cá têm passado, além de que os nossos treinadores são cada vez mais qualificados.
Entendo que o nosso problema não passa, portanto, por falta de recursos humanos, mas sim por falta de mentalidade. Formar um atleta de topo é um processo que leva muito tempo e que exige muitos sacrifícios, especialmente por parte do atleta. Infelizmente, não tenho visto por cá atletas com o espírito de sacrifício necessário para poder almejar um futuro desse tipo.
Além disso, não nos esqueçamos que um atleta para seguir a via desportiva de alta competição tem de sair dos Açores, mais cedo ou mais tarde, facto que também não ajuda.
Embora com as nossas limitações, nos últimos anos temos tido alguns atletas chamados às Selecções Nacionais mas que, por um ou outro motivo, depois acabam por não singrar, como foi o caso mais recente do Nélson Silva.

A formação, habitualmente, debate-se com falta de meios, numa região em que parece que o desporto profissional é mais apoiado, ao nível oficial, do que as camadas jovens. Essa parece-lhe ser a estratégia mais correcta para o futuro desportivo dos Açores?

Desporto de formação e desporto profissional são realidades diferentes embora não devam estar totalmente “desligadas” uma da outra. Há clubes em que a formação “sustenta” as equipas Seniores e há clubes em que é o contrário. Mais do que uma questão de financiamento, parece-me que devemos parar para pensar no desporto que temos e no desporto que queremos, atendendo às nossas especificidades e não esquecendo aspectos importantes, nomeadamente o benefício da prática desportiva em termos de saúde pública, a importância da formação desportiva no desenvolvimento dos nossos jovens, a relevância do desporto como veículo promocional dos Açores e até mesmo o impacto económico que o desporto representa para a Região. Neste último ponto, veja-se por exemplo o peso que o desporto tem na facturação da nossa transportadora regional, a Sata. Estamos a falar de centenas de pessoas a viajar semanalmente para jogar.
É óbvio que os clubes e as associações querem sempre mais dinheiro. Eu continuo a dizer que primeiro temos de saber para que queremos o dinheiro, o retorno que pretendemos obter desse investimento, em termos qualitativos e quantitativos.

Para finalizar, se pudéssemos antever o futuro, onde colocaria os AAA e o voleibol açoriano daqui a dez anos?

Isso é uma incógnita…as coisas têm mudado muito, a muitos níveis…
A única coisa que posso dizer é que acredito que os Antigos Alunos estarão a disputar a A2 na próxima época o que só por si já seria um motivo de satisfação. Quanto ao voleibol açoriano, desejo que dê passos seguros no seu desenvolvimento, nomeadamente em quantidade e qualidade de praticantes e demais agentes.
Deixe-me só aproveitar para agradecer a oportunidade de dar a conhecer mais um pouco da nossa equipa e, já de vez, para convidar todos os leitores para se deslocarem ao Complexo Desportivo das Laranjeiras e nos ajudarem a alcançar as tão necessárias vitórias.

Um agradecimento especial ao jornalista convidado a conduzir a entrevista, o que permitiu transmitir um caracter mais profissional às perguntas.